Marcas humanas na floresta em pé
O impacto humano nas florestas neotropicais não se limita ao recente processo de desmatamento sistemático, mas vem ocorrendo desde a chegada dos humanos ao continente americano, através do cultivo, domesticação e dispersão de espécies florestais através do território que hoje se conhece como Brasil. Esse tema foi objeto de uma interessante série de cartas publicadas na revista Science de 03/02/2017, tendo a doutoranda em Ecologia do INPA, Carolina Levis, como uma das primeiras autoras.
A discussão se deu em torno de uma publicação do grupo DRYFLOR sobre os padrões de diversidade de plantas em florestas secas neotropicais. Carolina e seus co-autores argumentaram que, normalmente, a dispersão de plantas por humanos desde o Pleistoceno não é considerada como um dos fatores determinantes da distribuição atual de plantas em florestas secas e úmidas na região neotropical.
Os dados de DRYFLOR mostraram que florestas secas neotropicais são dominadas por espécies lenhosas de distribuição geográfica muito restrita (3115 de 4660 espécies). Carolina e seus colegas mencionaram que 17 das espécies catalogadas por DRYFLOR têm ampla distribuição. Oito dessas 17 espécies são cultivadas atualmente e duas delas, o saboeiro, Sapindus saponaria, e a grandiúva, Trema micrantha, foram cultivadas, e provavelmente domesticadas, por populações pré-colombianas.
Além disso, todas as oito espécies de ampla distribuição e conhecidas como cultivares antigos ou modernos dos ameríndios, também ocorrem em florestas amazônicas, que são parcialmente dominadas por espécies úteis para humanos, um padrão que pode resultar de atividades de longo prazo de manejo e dispersão humana. Em sua resposta, os autores de DRYFLOR reconheceram a influência dos ameríndios sobre florestas secas desde sua chegada à região neotropical, mas contrapõe que o número de espécies com ampla distribuição é muito pequeno para afetar suas conclusões sobre os padrões florísticos de florestas secas.
Eles argumentaram que as espécies cultivadas que também ocorrem na Amazônia são generalistas, e que a preferência dessas espécies por áreas perturbadas pode ser uma razão mais plausível para sua ampla distribuição. Um debate fascinante que deve continuar à medida que avançam as pesquisa sobre a ecologia histórica dos habitantes pré-colombianos da região neotropical.
Carolina Levis terminou seu mestrado em Ecologia no INPA em 2012, com um trabalho sobre a influência dos habitantes pré-colombianos sobre a composição de espécies arbóreas em matas do interflúvio Madeira-Purus, que foi publicado na PloS ONE. Atualmente realiza seu doutorado em convênio de co-tutela entre o INPA e a Universidade de Wageningen, na Holanda, com um projeto de tese que expande sua pesquisa sobre a domesticação da paisagem pelos povos pré-colombianos na floresta amazônica. Carolina é orientada por Flávia Costa e Charles Clement, no INPA e Frans Bongers e Marielos Peña-Claros, em Wageningen.
A foto foi tirada na FLONA de Humaitá (Amazonas) e mostra um menino da comunidade da Barreira do Tambaqui coletando frutos de açaí (Euterpe precatoria) em um açaizal da comunidade. O açaizeiro é uma espécie cultivada, e possivelmente domesticada, das matas úmidas amazônicas.